segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A revista e o sonho


Como é sabido, passei minha infância em uma pequena cidade do sul do Pará. Não tive a sorte (ou quem sabe essa foi a minha sorte) de viver em uma cidade grande onde eu pudesse acompanhar mais de perto a explosão tecnológica que o mundo vivia no início da década de 90. Logo, para ficarmos por dentro das novidades, só tínhamos uma opção: As bancas de revistas.
O fato é que com toda aquela loucura de plano cruzado, era complicado conseguir alguma coisa por um preço justo, até porque, quando as revistas chegavam em Tucumã, tínhamos que somar o dobro de seu valor real. Era a maldita inflação! Mas esse era só um detalhe.
No verão de 1990 eu conheci um amigo que era tão viciado quanto eu, com a singela diferença que ele tinha um pouco mais de grana. Sendo assim, as terças-feiras eram os dias mais felizes de nossas vidas. Rotineiramente, esse era o dia que aquele velho mal humorado da banca costumava receber as novas publicações. O caminho era simples, íamos para a escola e aguardávamos com ansiedade a hora da saída. Na maioria das vezes, eu mal conseguia prestar atenção no que era passado em sala de aula. A ansiedade era tamanha, que minha cabeça estava sempre voltada para o mundo fantástico que habitavam as páginas daquelas revistas. Certamente, um mundo que naquela época, só vivi mesmo através das páginas. Vez ou outra, ainda tínhamos a esperança de sermos os grandes vencedores de uma promoção qualquer que era lançada nas páginas da Ação Games e Game Power.
Sem dúvida alguma, o medidor de felicidade de nossas vidas, estava totalmente condicionado aos sorteios que acompanharíamos nas edições seguintes. Por mais pessimistas que fôssemos, não custava nada sonhar com aqueles aparelhos chegando pelo correio em nossas casas. Isso já rendia boas horas de diversão. Além do mais se ser sorteado era difícil pra nós, não seria diferente para os outros milhares de leitores que certamente, tinham o mesmo sonho. Depois de muita insistência do Gilberto, resolvi que também escreveria uma carta para a revista. As nossas chances dobrariam com duas cartas enviadas - era período de natal e eu já estava cansado de ganhar roupas como presente. Aliás, vou aproveitar para deixar registrada a minha indignação com famílias que costumam presentear seus filhos com roupas no natal. Eu duvido que algum garoto ficasse feliz ao abrir aqueles monstruosos presentes e se deparar com uma camiseta, calça ou qualquer outra coisa que se usa no corpo. Era muito decepcionante! Bom, isso claro, reflete a minha opinião.
Mas nós tínhamos a chance de mudar isso. Estava claro que aquilo era um sinal, não tinha erro, com um pouco de sorte e pensamento positivo, aquele videogame seria nosso. Pegamos o endereço, colocamos o que era exigido dentro do envelope com a devida pergunta respondida corretamente: “Qual é a melhor revista de games do Brasil?”, e fomos para o correio. Trêmulos, depositamos nossos sonhos naqueles envelopes. Um longo período de silêncio se estendeu entre nós na volta pra casa. Eu nunca perguntei ao Gilberto o que se passava em sua cabeça naquele trajeto de volta, mas certamente, ele pensava o mesmo que eu. O que faríamos caso fôssemos os grandes vencedores? A questão é que a partir daquele momento, tínhamos que encontrar outra coisa para nos distraírmos, senão, aquela espera seria mais angustiante do que se mostrava no momento. A saída era sempre a mesma, ou íamos até minha casa jogar futebol de botão, ou pediríamos alguns trocados para nossos pais com o único objetivo de destruirmos aquele maldito carateca no fliperama do “Toi Sinhor”. Nos devaneios de nossos dias, vez ou outra discutíamos onde o videogame deveria ficar caso um de nós fosse o sorteado. Para facilitar as coisas, combinamos que qualquer que fosse o resultado, cada um teria o direito de ficar uma semana com o console. Independente da casa em que ele estivesse, é certo que nós dois estaríamos com ele (o videogame). O mês de outubro passou relativamente rápido, o mesmo não aconteceu com o mês de novembro. A edição que revelaria o vencedor seria publicada no início de dezembro, ou seja, tudo indicava que a última semana se arrastaria como um pobre soldado ferido em um campo de batalha. E se durante esse tempo todo sofrêssemos algum atentado? E o pior de tudo, se a revista em que estaria cravado nossos nomes não viesse para Tucumã? Isso era desesperador. Melhor não pensar. No máximo, ocorreriam alguns atrasos no fornecimento, mas aquela edição, seria a única que não poderia deixar de vir. Aproveitei o finalzinho de novembro e estudei para os exames finais da escola, e ao final das provas se tudo ocorresse como o esperado, iríamos até a banca e compraríamos a revista mais aguardada de nossas vidas. Se os meses foram longos, os 3 últimos dias foram eternos. Entrei de férias na escola 4 dias antes da provável chegada da revista. É possível imaginar a ansiedade que assombraram nossos dias. Não dava pra pensar em dormir sem que antes pudéssemos tirar aquela angústia de nossas mentes. Aquele final de semana foi um dos piores finais de semana de nossas vidas. Mas ele passou e a segunda-feira chegou. Sofremos tanto no sábado e domingo, que na segunda, parecia que estávamos anestesiados e já não sentíamos tanto frio na barriga como nos últimos dois dias. Afinal de contas, se alguma coisa era certa, é de que já não podíamos mais mudar o resultado do sorteio apenas com nossos pensamentos positivos, os nomes dos ganhadores, já estariam nas páginas da revista. Se estivéssemos com sorte, nossos nomes, fariam parte dessa lista de sortudos. Como sempre, o Gilberto se encarregou de passar na minha casa para que fôssemos juntos pela manhã à banca. Naquela noite eu ainda pensei que talvez o melhor teria sido pedir para que ele dormisse na minha casa – e se ele fosse atropelado na manhã em que estivesse indo até minha casa para comprarmos a revista? Eu começava a acreditar que conspirações terríveis poderiam estar sendo tramadas porque nós éramos os grandes vencedores. Marcamos para as sete. Se ocorresse algum atraso, talvez eu tivesse razão quando imaginava terriveis conspirações agindo contra nossa sorte. Milagrosamente ele compareceu no horário combinado. Mas ainda faltava pouco mais de uma hora para que a banca abrrisse suas portas, até lá, poderíamos jogar uma partida de futebol de botão. Aquela partida serviu para nos acalmar um pouco. Quando faltavam 15 minutos, nos preparamos e fomos esperar na porta a abertura da banca. Suando frio, o momento que aguardamos por tanto tempo, havia chegado, só tínhamos que abrir aquela revista e verificar nossos nomes impressos naquele papel. Mas um problema ainda ocorria, qual seria o valor daquela revista? E se o dinheiro do meu amigo não fosse suficiente? E se em caso de não termos a quantia suficiente, alguém fosse até a banca e comprasse a revista? Bom, de uma maneira ou de outra, sairíamos dali com aquela revista, nem que pra isso eu tivesse que agarra-la e sair correndo. Tudo estava planejado, se ela havia chegado até Tucumã, ela tinha um único endereço: o de nossas casas.
Nada disso foi preciso. A revista estava lá, e o dinheiro de meu amigo superava o valor da revista. Até ali, tudo indicava que a sorte que até então se mostrou ausente de nossas vidas, havia chegado com um belo e fantástico presente.
Imediatamente fomos até a parte final, onde geralmente são publicados os vencedores das promoções. Fomos diretamente a parte que nos interessava: a letra G. O suspense foi se arrastando quando conferimos e notamos que meu nome não estava por lá. Incrivelmente aquilo não se encontrava em ordem alfabética, sendo assim, ainda poderíamos encontrar algum Gilberto, ou até mesmo, um peculiar Giliade. A busca parecia incessante e mesmo tendo a certeza absoluta que depois de 15 minutos seria impossível encontrar um de nossos nomes por lá, meu amigo não desistia, foi então que, para a minha surpresa ele encontrou seu nome. Aquele grito foi aterrorizante, seu nome estava cravado naquela revista, mas como não tínhamos enxergado aquilo? Me lembro que ele jogou aquela revista e começou a pular como um louco desesperado. Eu resolvi conferir novamente só para ter a certeza de que ele estava certo. De fato, seu nome estava lá. No entanto, o sobrenome não. Com isso, nossas buscas haviam chegado ao fim, mas nossas esperanças só deram uma trégua, depois disso, mandamos várias outras cartas. Nunca ganhamos nada, mas sonhamos um bocado com a possibilidade de sermos os grandes felizardos.

11 comentários:

Fernando Silva disse...

Esse texto é realmente muito bom! Pra mim, a revista mais clássica era a Videogame, que veio antes da Ação Games e Super Game Power. Aliás, dê uma conferida em http://www.datacassete.com.br/
Muitos scans de revistas e outras coisas interessantes. Fiquei babando!

Eu via nas revistas aqueles preços diferenciados "Boa vista e Zona Franca". Era realmente quase o dobro. Eu ficava com muita pena de quem morava no Norte. haha

Definitavemente é o fim isso de dar roupas para crianças. Eu também ficava muito bravo!hahaha

Cara, porque você não contou do seu recorde que fui publicado em uma revista?

Fernando Silva disse...

Correção: eu não babei quando vi esses scans de revistas não... Eu quase morri de tanta emoção, isso sim... Eu tinha adquirido algumas delas novamente em um sebo há um tempo atrás, mas deixei na casa de minha tia... Que ódio de mim. Deve ter ido pro lixo já...

Fernando Silva disse...

Correção 2: A Ação Games veio primeiro. Tinha aquela que só falava da Sega também: Supergame.

Gil Nunes disse...

Kra, definitivamente eu surtava quando ganhava roupas no natal.
Tanto que, om elhor presente que ganhei foi um fantástico relógio champion com aquelas várias pulseiras coloridas. Isso sim foi um presente digno de Natal. Srsrs
De fato vc tem razão, videogame se supergame tb eram clássicas demais.
Gente do céu!
Bom, eu ainda vou relatar meu recorde nas pgs da gamepower... yeahhh

Fábio disse...

Eu nunca gostei muito dessas revistas. Achava mais facil aprender os golpes ou as manhas perguntando pra alguem. E se nao fosse por isso eu nao teria conhecido um dos meus melhores amigos.

Mas a historia foi fantastica.

Anônimo disse...

"e se ele fosse atropelado na manhã em que estivesse indo até minha casa para comprarmos a revista?", isso mostra como vc estava alucinado pela possibilidade de ganhar, e vc quase me faz acreditar que seu amigo tinha ganho, huhauhauahua
Kra, Fantastico o seu texto>>
Continue Detonando sua vaca suiça
huahuahuaha

Anônimo disse...

Ah as eternas revistas.....

tenho muita saudade do tempo q comprava pra ver noticias e reviews do mundo dos games (sim, eu não comprava revistas pra ver codigos, truques, manhas, recordes e esses blablablas ai)

ao contrario de vcs,eu "conheci" a internet em meados de 2005, então ai ficou bem mais facil ficar sabendo das news, mas antes disso, eu ficava sabendo dessas news por revistas,muito do meu conhecimento gamistico se deve a elas.

lembro quando esperava a revista do proximo mes sair,ficava sonhando com alguma noticia bombastica, um anuncio de continuação de um jogo,torcia para tal jogo levar nota 10,etc...

mesmo hoje , com internet e tudo, de vez em quando ainda compro algumas revistas

das revistas antigas,cheguei conhecer apenas a Super Game Power, gostava mais da Nintendo World ( naquele tempo ela era boa, pq hoje..) e da EGM Brasil( q tb era melhor algum tempo atras)

é isso ai

Fábio disse...

blablabla? respeite o comentário dos outros, meu filho.
te garanto que vc nao perde nada com isso.

Unknown disse...

Poxa, texto muito bacana mesmo! O que acho mais legal neste site, é a lembrança que traz de minha pré-adolescencia: os sonhos, as possibilidades, os desejos eternos q nunca chegavam ao fim com a tão sonhada aquisição. Eu gostava pra caramba da Supergame, por falar da Sega. E tb da Ação games, embora as dicas desta última sempre tenham sido um pé... Mas é isso aí Adorei o post. Mais uma vez, parabéns!

Fernando Silva disse...

Fábio, acho que o blablabla não se referia aos comentários e sim à caracteristicas das revistas: "códigos, truques e blablablas" :P

Anônimo disse...

exatamente fernando silva, os "blablablas" q falei são essas coisas de codigos, truques,detonados e outras coisas de revistas!

Abraços!